segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

o brinquedo novo

A vida me ensinou
que o maior presente que podemos receber
- aquilo que estamos sempre querendo -

a novidade última
o objeto mais brilhante

é sempre uma palavra.

A palavra mágica
que nos reinvente
nos recomece.

Somos casados com a linguagem...

Estamos sempre esperando
que alguém nos brinde
nos batize
nos presenteie

com uma nova palavra
que defina tudo aquilo
que nós somos.

o sol e a clausura

Ó seres machucados de linguagem,
castigados de consciência,
adornados de arrependimentos

Quando vossos corpos deixarão de arder
a cada palavra pronunciada?
A cada ferida
deixada pela linguagem...

(Vossos corpos só estarão pertinho um do outro
depois que se tiverem resolvido os mal-entendidos da linguagem...

... os mal-entendidos do corpo!)

sonho assim

O que eu gostaria mesmo
é de sair escrevendo textos gigantescos por aí
até que eles saíssem voando do papel!!

enfim, nós

Quer saber onde a gente mora?
Presta atenção em como a gente fala.

A gente mora é na língua portuguesa,
e na memória...

A nossa casa
é uma memória falada em português.

uma histeria chamada mulher

"Que bonito que é o sujeito,
sendo todo errado ele é tão perfeito..."

Ser histérica, sabe, meu bem?
Ser histérica é abrir o corpo como quem abre as asas,
é abrir o corpo e a alma
para o novo e o inesperado,
para viver as mais loucas e insuspeitadas aventuras,

Sou uma histérica
que histericizou,
o grito trancado
que não mais calou.

(Cada palavra que ganho tua
mais um pedaço de quem eu sou.)

foto de um instante

A minha alma
não registra mais em palavras
tudo o que passa.

Ela fotografa o momento




e deixa-o cair.

(Rendo-me à paisagem
que habita
uma imagem...)

esboço de Ariel

O que uma sereia representa?

...uma energia represada...

escondida
reprimida
mas nunca esquecida

bem no meio das pernas.
Onda redonda
no mar tão profundo
qual é a minha âncora
minha âncora no mundo?

O que é que me salva
do meu ostracismo
O que não me deixa
cair num abismo?

Que nau não naufraga
no redemoinho?
(Como é que é ser ostra
e não ser sozinho?)

A ostra fechada
se abre por dentro
por dentro
por dentro
renasce por dentro...

conto que enfada

Ah, nem queiras saber.
A infância é o mais frágil brinquedo!
É um palácio de cuidados
todo construído a medo.

Tens que te achegar-lhe aos poucos,
para o vidro não trincar.
Se teus ouvidos são roucos,
é um castelo de quebrar.

murphy´s law

Ah, as coisas
que acontecem...

- devem ter acontecido
como a estrela lá do alto
deve um dia ter nascido:

a flor não podia
senão existir

o sol não podia
senão insistir

em brilhar
em brilhar
inevitavelmente.

"completamente blue"

Viver num mundo de palavras,
esperando encontrar um sentido,
é viver na ilusão
na mais completa solidão,
a la Cazuza.

Viu, Poeta?
Também sou filho único,
também conheço a dor
de ser uma palavra desarticulada da frase,
um todo dolorido
que está fora do poema...

Quem vive buscando um porquê
nas palavras que encontra,
faz do rio
pedras no caminho...
É amado e não ama.

o ermitão e as meninas

Quem vive buscando ter o controle sobre as palavras,
e esgotar o sentido de cada uma
está sozinho.

Súbito descobre-as
vazias... enxerga
que as palavras são meninas distraídas
que só querem cirandar, cirandar...
não têm sentido nenhum!

...estão para a língua como as nuvens estão para o céu.

Quem vive assim, procurando letras e não cheiro
nas pétalas da flor
está perdido

perdido
perdido

completamente
na vida.
Sem rumo.

olhos oblíquos

Oriente, verbo imperativo, hoje em dia.

Que estranho modo: nos achinesarmos!
Vê? Compramos brinquinhos
aos montes bugigangas
na família chinesa.

Comemos peixe
no restaurante japonês
garçonetes brasileiras.
Loiros cabelos
que não conhecem o Oriente.

(O Japão e o Brasil não reconhecem seus doces olhos.
Porém aceitam-nos como a um filho).



ouve, é tua alma!

(Tua alma está por demais
invadida por palavras.
Deixa que eu te mostre
que nela pode entrar,
para morar,
o silêncio.)

O bálsamo que acalma a loucura
não é um remédio.
São os braços quentes da compreensão.

O colo que ajuda a loucura
não é a saúde vindo dizer
que a loucura é a errada,
e a saúde, a certa.

Com a loucura não se bate de frente.

Acolhe-se
compreende-se
escuta-se

E, sobretudo,
ao invés de se querer encontrar para a saúde
um lugar dentro da loucura

Ao invés de a saúde
querer ali se alojar

Abre-se um espaço para que entre a loucura
dentro da saúde.

Sim, a saúde abriga a loucura como uma barriga a um bebê,
ternamente...

Com a loucura
não se aconselha nem argumenta,
traçam-se os limites
até onde a dor aguenta.

click!

O dinheiro mais bem gasto da minha vida foi com uma viagem.

Uma viagem única e ininterrupta: minha análise.

A viagem para dentro de mim foi o mais bem investido valor.

Viagem sem volta,
porém com os retornos mais profícuos
mais palpáveis
mais profundos!

de volta à poesia

Coisas bonitas a gente compartilha.
Divulgo aqui o belo poema do amigo André Amorim Ramos, 
publicado em seu blog (http://quem-ama-inventa.blogspot.com.br), em 19 de novembro de 2013:


Aquela árvore deu flor:
Eis um poema completo
Afagando os olhos.
Ainda assim, desce o poeta
Aos porões do seu ofício.
Quer ser parte
quer ser pai
da primavera.
Artifício - diz o senso
Ledo vício, imaginar
o que quer dizer a flor
que só quer desabrochar.

Aquele árvore deu flor.

Um vento refresca
A testa e a têmpora
A poesia se espalha.